quinta-feira, 31 de março de 2011

Líderes das seis principais religiões protestam contra perseguição ao islã na França

Pela primeira vez na historia da França, os porta-vozes das seis principais religiões no país - católica, islâmica, judaica, protestante, ortodoxa e budista - assinaram um comunicado conjunto para protestar contra o debate sobre o laicismo iniciado pelo governo do presidente Nicolas Sarkozy. No texto, publicado na quarta-feira (30/03) simultaneamente pelo diário Le Parisien e pelo jornal católico La Croix, eles consideram que a discussão pode virar um instrumento de discriminação religiosa contra os muçulmanos.

Leia a íntegra do comunicado, em francês.

Na teoria, o “debate”, proposto pela UMP (União por um Movimento Popular, partido de Sarkozy e detentor da maioria das cadeiras no parlamento), teria a forma de mesas redondas, convidando a uma discussão social políticos, acadêmicos e religiosos, e trataria sobre o laicismo na França, mais de cem anos após a adoção da lei de 1905, que determinou a separação entre Igreja e Estado.

Os membros do partido não esconderam, porém, que o verdadeiro objetivo era refletir sobre o lugar do islã no país. O próprio Sarkozy declarou recentemente, em uma entrevista à televisão, que a França tinha “um problema com o islã”.

Cruzada

Na semana passada, ele aproveitou uma viagem em Le Puy-en-Velay, uma cidade de peregrinação de católicos no centro do país, para saudar o “magnífico patrimônio da civilização e da cultura que o cristianismo deixou para nós”. O mal-estar aumentou quando o ministro do Interior, Claude Guéant, parabenizou Sarkozy pela “cruzada” que ele encabeça na Líbia.

Os líderes das comunidades religiosas consideram que nenhum partido político deveria colocar este tipo de debate à mesa, ainda mais a um ano da eleição presidencial e em um contexto de aumento da popularidade de Marine Le Pen, a candidata declarada do partido de extrema-direita Frente Nacional, que fez dos ataques ao islã o centro do seu discurso.
Segundo as últimas pesquisas, Marine poderia figurar no segundo turno da eleição, prevista para abril de 2012, já que atrai até 23% das intenções de voto, quatro pontos acima do próprio Sarkozy. “Não é preciso fazer mais confusão em um momento difícil para a sociedade”, marcado pelas “crises econômicas, políticas, financeiras e morais”, conclui o texto.

Membro de honra

“É cada vez mais difícil ser muçulmano na França”, declarou na semana passada Gilles Bernheim, o rabino-maior de França. “É ainda pior neste ambiente pouco saudável, agravado por palavras que procuram dividir em vez de unir”, completou. Sarkozy já teria iniciado esta estratégia há anos, com a criação do ministério da Identidade Nacional, e com medidas para dificultar a imigração. Ele também fez votar pelo parlamento uma lei proibindo a utilização de véus islâmicos em lugares públicos

Os religiosos não são os primeiros a lamentar a organização desse debate. Os socialistas o denunciaram como uma estratégia eleitoral, enquanto Marine Le Pen prometeu acolher como membro de honra Jean François Copé, presidente da UMP, já que usava os argumentos da extrema-direita.
Duas horas

A crise se estendeu até entre os próprios membros da UMP. Há três semanas, Abderrahmane Dahmane, o conselheiro de Nicolas Sarkozy sobre as questões relacionadas à “diversidade”, disse, durante um discurso na Grande Mesquita de Paris, aos muçulmanos membros da UMP para não renovarem a adesão ao partido se o debate sobre o laicismo e o espaço que o islã deve ocupar na sociedade não fosse anulado. O chefe de Estado, que se sentiu traído, demitiu Dahmane de seu cargo de conselheiro na hora.

Militantes muçulmanos já rasgaram publicamente seus cartões de aderente do partido. Para muitos deles, a UMP está perdendo o norte na sua tentativa de atrair eleitores de extrema-direita. Na segunda-feira, o porta-voz do governo, François Baroin, disse, durante uma entrevista à radio, que estava a favor de cancelar o debate.

Sem ministros

Nesta quinta-feira (31/03), o primeiro-ministro, François Fillon, anunciou que não ia assistir ao debate, previsto em 5 de abril. Ele já disse na semana passada que não estava a favor de uma discussão que poderia “estigmatizar os muçulmanos”.

Esta declaração provocou a ira de Jean-François Copé, que lamentou o fato de o primeiro-ministro não trabalhar “coletivamente” como seus colegas de partido. Os ministros Roselyne Bachelot (Solidariedade), Xavier Bertrand (Saúde), Laurent Wauquiez (Assuntos Europeus), todos militantes da UMP, também alertaram que iriam boicotar a reunião.
O debate, que alimenta a crise política há dois meses não será cancelado. Mas a UMP já informou que o evento não seria organizado na sede do partido, mas em um “hotel parisiense”, ainda não anunciado. Apenas duas mesas redondas serão organizadas, sem temas muito claros, e sem representantes das grandes religiões. No total, a discussão está programada para durar duas horas.

Retirado do Opera Mundi

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